23 de ago. de 2010

O pé de coração quebrado do meu quintal continua a dar frutos.
Penso em arrancá-lo pela raiz com os dentes, mas aos meus olhos ele se mostra forte e até bonito, como artifício pra me convencer a deixá-lo lá, plantado, esperando sempre minha visita que, ultimamente, tem sido esporádica, mas acaba acontecendo de tempo em tempo, pra substituir o coração que consertei por outro perfeitamente avariado.
Ainda conto com a capacidade cada vez mais desconfiada de atar os micro pedaços, apesar de não saber quando a roleta vai errar o número que escolhi pra apostar todas as minhas fichas. Já perdi um zilhão de vezes e continuo jogando. Toda vez que ganho uma percentagem do que joguei, gasto tudo em bandagem, esparadrapo e anti inflamatório. Assim que acredito ter resultado saudável, levo meu coração fechado pra dar uma volta. Volto com uma volta tomada e reabasteço meu peito com o fruto do meu próprio pé de coração quebrado nascido no meu quintal.

Carolina Bitencourt
23/08/2010

16 de ago. de 2010

As roupas assim como todas as outras coisas vão sendo substituídas. Sempre tive essa consciência, mas nunca tinha parado pra pensar nisso, e me peguei entendendo como tudo é mutável. A pele que a gente perde sem perceber, as unhas que crescem e são cortadas, os sapatos surrados, marcados pela caminhada ou pelos passos de dança, o bikini que perde a elasticidade, o livro de português obsoleto, o sofá que troco por um novo, e o antigo vira novo em outra casa, etc, etc.
Hoje atentei para o fato de trocarmos as relações também. Os amigos que continuam por perto, mas não tão juntos, os números de telefone discados que saem em ordem diferente e com menor ou maior frequência, os assuntos que são senso comum e os que passam de boca em boca num off que todo mundo ouve, mas faz de conta que não sabe de nada, os namorados que são sofás, igualmente reciclados de uma casa pra outra, ou de um casal pro outro.
Enfim, me deparei com uma única troca que não me parece interessante, ou que não gostei de ter visto: a troca de uma amizade secular por um corpo escultural e uma honra já estuprada. Esse é um sofá que não proporciona conforto, nem descanso. Machuca as costas de quem se senta e causa danos irreparáveis a coluna vertebral do grupo a que se faz parte.

PS.: Prefiro a feiúra íntegra do que o lindo diabo loiro que se veste de vermelho.

Carola Bitencourt
16/08/2010