6 de jan. de 2020

19-20

Começar o ano fazendo um diário de bordo do que potencialmente foi meu melhor feriado de ano novo de todos os tempos é um privilégio, sim! Então lá vai:
Primeiro a gente faz um esforço muscular incomum pra chegar num paraíso porque paraísos são lugares distantes mesmo e por mais que as companhias sejam razão de um momento mágico a paisagem ajuda num grau muito grande a fazer desses momentos algo muito especial.

Na chegada, já cansada, rola um descanso merecido com um sereno refrescante e na manhã seguinte, com a luz do dia, te vem a certeza de que a escolha e o esforço foram acertados. 

O azul de fundo, esverdeado pela mata, a brisa salgada e o afago do vozerio de água tão próxima te fazem respirar mais suave. 

Se inicia o processo de se desligar das tecnologias eletrônicas e se conectar com as essenciais pulsões de vida, dessas que a gente no furacão do cotidiano acaba se esquecendo.

Os sons que chegam são do trânsito comunicativo dos voadores, o coaxar dos anfíbios, o passear do vento criando o cochicho das folhas nas árvores mais altas.

Prepara-se um café, sem a maior parte dos itens de praticidade usados em casa e mesmo isso já te evolui um bocado o valor de tantos confortos que a gente tem e nem se dá conta. 

Depois vem o maior dilema: Ir pra praia ou pra cachoeira. 

Nossa, que trabalhão decidir. 

Ambos à uma pequena caminhada de distância, não precisa de carro, nem de regra de trânsito.

Na trilha não é preciso ligar seta, os movimentos e momentos de parar são instintivos e realizados sem mais que um bom dia entre desconhecidos na estreita mão dupla. 

Pouca regra, o respeito mútuo basta.

Nas caudalosas do rio, aquela água medicinal que revigora sua andança desde a saída de casa. 

Hidromassagem natural terapêutica pra te encher de energia, uma pedra grande pra jogar o corpo e o calor do sol amaciando sua carcaça já sintonizada com a mãe natureza e o sentido de pertencimento que tanto nos falta. 

Ser parte e reconhecer seu tamanho diante da queda d’água com mais de 30 metros é a aula.

Os corpos vão se despindo das leis de padrão, quebrados um a um nas atitudes mais humanas possíveis. 

Não há julgamento de medida, nem de peso, o que vale mesmo é o tamanho dos sorrisos e o poder de cura dos abraços.

Atravessa mais um caminho e cai direto no mar. 

Uma extensão de areia que te parece fugir do alcance horizontal. Água cristalina com temperatura carinhosa, o astro rei raiando e seu mergulho te transporta pra outra dimensão com a gravidade quase suspensa dando leveza ao seu conjunto de pele, osso e sangue. 

Seu cérebro já trata os assuntos como sendo possibilidades de acerto e não de preocupação com a falha.

Vamos fazer uma comida porque ainda não nos alimentamos só de luz. 

Separa os legumes, o carboidrato, uma mistura, acende o fogareiro ou realimenta o fogão a lenha.
- Esqueci o sal...
- Eu tenho aqui! 

Não precisa pedir, compartilhar é o verbo não dito inerente. 

Enquanto isso, no tempo de cozimento as três perguntas básicas:

vc é de onde, chegou que dia, fica até quando?

Seguida pelo famoso “meu endereço é: atravessando a ponte de 2 tocos, virando à esquerda, última barraca verde ao lado da lona azul…” E “nos encontramos então mais tarde no arrumadinho”. 

É, durante essas conversas vc descobre que o saxofonista onipresente dos blocos do Rio (sim, esse mesmo que vc pensou) organizou um som com mais sabe-se lá quantos músicos de talento inquestionável e depois do almo-janta e de uma ducha perfumada ainda tem uma baguncinha pra curtidor nenhum botar defeito.

Desce a trilha até a praia – a dica é ir sem a lanterna, parar no início do caminho e esperar alguém que a tenha pra pegar uma carona. Acredite, vc vai conhecer pessoas incríveis com essa tática – chega no último châteou  caiçara da praia sob um feixe maciço de estrelas, sobre uma areia massageadora de plantas do pé.

Eis que encontra uma orquestra formada no acaso com a sintonia de uma família.

Nem partitura nem ensaio, tudo tocado no mais perfeito tempo baseado na leitura corporal e na troca de olhares. 

O som é de todos, não precisa de maestro, tem vozes que te apaixonam na primeira palavra cantada e o coro é feito pelo corpo de baile de quem assiste. 
Pode dançar, cantar, rodopiar como vc quiser, não vai encontrar nenhuma olhada torta, a não ser aquela de canto de olho te chamando pra ir na água dar uma voltinha. 

Entre uma ida no balcão e outra os encantos e reencontros acontecem. 

A comunidade de mulheres imponderadas que transcendem e ressignificam certezas de mudança, tão necessárias pra uma convivência de evolução entre as almas, que fortaleceram a espiritualidade que tenho desenvolvido desde o último ano é um capítulo à parte. Vou precisar de outra página e de muito mais tempo pra digerir tão grande foi o absoluto absorvido.

Posso te contar que esse ano novo foi de fato o dos encontros.

Quanta gente eu conheci que quero levar pra vida, quanta gente eu revi e que tiveram sua presença transformada para conexões de proximidade. 

A troca com essas novas e renovadas conexões interpessoais vão desde profundas reflexões psicanalíticas à novas ideias de projetos profissionais, de simples dicas de como manter uma fogueira acesa à complexidade no trato dos relacionamentos. 

De todo modo são sempre enriquecedoras e audazes. 

Nesse meio tempo, entre uma gira e outra se vc perder o chinelo ou a carteira a probabilidade de achar novamente é 99%. 

Perdi as contas de quantas coisas achei e devolvi e de quantas pessoas perderam algo e as acharam, por vezes no mesmo lugar em que deixaram, ou guardadas no primeiro “quiosque”.

A partir disso tudo sua concepção de mundo passa a ser alterada, sua retrospectiva e lista de metas pra 2 mil e vim te ver são reconfiguradas com valores diferentes das que faria se estivesse ainda no mesmo lugar, no antes. 

Salvas as necessidades e batalhas que estamos fadados a atravessar, sua capacidade mental de olhar pro mundo e pro outro com mais empatia e generosidade são multiplicadas.

Pessoalmente posso afirmar que minha satisfação vem através da certeza de que não me obriguei a nada que não fosse do meu gosto, que todos os dias foram repletos de alcance do que objetivei, e que mesmo tendo tido a chance de fazer algo diferente não houve um só arrependimento, no máximo um destaque para o que ainda preciso aprender. 

Além do meu reconhecimento interno e pessoal, ouvir que “minha viagem melhorou depois que vc chegou” e tantos outros reconhecimentos externos desses mesmos seres mutuamente unidos me trouxe mais força pra seguir sendo como sou, pra continuar devolvendo o bem que recebo e pra transformar tudo aquilo que vejo digno de aprimoramento.

Vou levar um tempo ainda pra entender o todo dessa viagem, talvez esqueça de mencionar um ou outro nessa lista feita também pra me lembrar desses momentos e afetos quando as batalhas forem difíceis, mas principalmente pra que esse recado chegue pra quem fez parte, afinal, na emoção dos acontecimentos nem todos os contatos foram trocados e minha memória falha apaga nomes como um vento espalhando nuvens.

Meu mais sincero amor aos envolvidos:
Tai Rodrigues, Mari Hughet, Andreia
Manu, Alice, Sofia, Ingridi, La e o namorado, Gabi, Ari, e cia
Otto, Igor
Victor Valério, Lucão e as manas
Jamile, Fernanda e Fabiana
Omar e João
Luana, Dropê, Vini, Enrico
Bicinos: João, Guilherme, o casal, o moço da rede
Sabrina, Ray e cia
Joana, Vini, Felipinho

Seu Altamiro, Alef, Alcino

Carola Bitencourt
06/01/2020