20 de ago. de 2014

sempre rola uma azia
outras vezes zumbe no ouvido
disritmia
artista resolve ou retranca
marca riscos sem distância

sempre rola uns óio
rezando expectativa
descendo pela pele feito jeito
de dizer saudade
ardendo meio calado
alado de imensidão mansa

sempre rola riso solto
só riso mesmo
envolto em sal de lágrima
gritando a anja besta fera
rasgada nessa sede
de ceder a crendice

sempre rola umas emboladas
dilatadas em dias de lua
das que levam a vela
veloz
sem perder brio de chama

quase rola
o sempre
rola sempre,
mas só desenrola
quando se explora sem pensar

Carola Bitencourt
21/08/2014

23 de jun. de 2014

Pose não é sinônimo de posse
Fosso não é o sinônimo de fossa
Porte não é  mesmo que porto
Toda palavra tem seu feminino no outro
Com ou sem eufemismo
Estamos todos no intimo do nosso
Cada estrofe fere o verso
Do jeito que a rima
Recolhe a via expressa
Linhas subvertidas intraveem
Vida vide bula venosa
Veneno da mesa exposta
Na aorta da porta aberta
Flores espertas na horta
À espera da primavera.


Carola Bitencourt 
Toque fiinalístico de Tchelo Mello
23/06/2014

1 de mai. de 2014

Te vi.
Nos falamos
os olhos souberam,
a boca não veio,
a vista no meio
o barulho da praça
ficamos sem inteiros
enterrados no seio a parte
entre arte, soneto
aspas e fonética
Ética educada e onírica
rica em todo texto reticente
e poética.
Nos vimos, nos falamos
e era você
dentro de um qualquer
sem existir.

Carola Bitencourt
29/04/2014

25 de mar. de 2014

Minto tão pouco
pra mim, e pros meus amigos
que quando minto
ou omito algo de seu interesse
parece morrer internamente,
parcela por parcela,
cada célula expressa
no cerne meu.

Consciente sinto ascender
um discernimento dissidente
enternecido nesses
coincidentes conhecimentos
de nós mesmos.

Assumo, então, um suprassumo
de tantos saberes poupados
presentes e assíduos
dos atos falhos, ralos ou vacilos
a que nos prestamos
e dos resultados colhidos, assimilados,
lidos no calo da labuta,
na pressa astuta, no sulco ácido,
elaborado e aprendido,
ditado em versos e lados altos
ladramos ainda algumas mentiras
como essa de aprender com os erros.

Carola Bitencourt
25/03/2014

24 de mar. de 2014

"com açúcar, com afeto"
fiz cuzcuz marroquino
pela primeira vez
o filet tinha açafrão
muito tempero fino
pra exposição tinha cortesia
era pra facilitar sua ida
o jazz depois serviria
um bom começo de noite
quem sabe de lá eu te trouxesse
pra conhecer minha comida...
uma pena não receber-te
congelei em potes pequenos
o trabalho de umas horinhas,
remarquei a exposição
pra ver com amigos
maquiei o jazz com um bom som
aqui mesmo nas minhas caixinhas.
deletei seu contato
já que não quero o que não tinha.

Carola Bitencourt
24/03/2014
acontece que mesmo a contragosto
mesmo sabendo do provável fracasso
tento
sempre acabo no mar
batendo braços a esmo
mesmo assim, continuo
parece que leio errado os recados
ou insisto em bradar vitória
sem vencer batalha
sendo algoz, réu e juiz
de uma história passada
internamente, imagino
quase acredito nas passagens
nos diálogos entre personagens
nas imagens que vivo
até alcançar o porto
batendo nas pedras postas
qual freio pro meu navio

quando o sol bate na cara
abro os olhos, os ouvidos

levanto da areia

seco o sal

agarro meu dia

refaço a vela

e parto

pra outro partido...

Carola Bitencourt
24/03/2014

22 de mar. de 2014

Pra semana que vem tem
eu e a espera
Pragora tem deixa
pra amanhã
Sem demora
pra dizer que não nem
Hoje, nem a hora
Essa seta dá
danosa atmosfera
Meu beijo voou no vento
Numa espiral da esfera

Carola Bitencourt
12/03/2014

18 de mar. de 2014

Soube que era a hora
Penei
Pensei que agora sobrava
faltou mais que o dobrado

descobri na cobrança
aliança descarada

dispensei

refiz a coberta
retalho quarado
cerzido fio a fito
alcançando alva
a vara de salvação
altura deveras mansa
anseio a foz, a voz e a onça.

Carola Bitencourt

18/03/2014

14 de fev. de 2014

Mais do mesmo, fora de ordem


Se sozinha na mesa
o caderno pede o risco
da caneta, da palheta
de cores contidas
nas letras pantonadas
É importante lembrar
quando o postante acontecer
que o tamanho da folha
vai ditar a dimensão do
verso
e que a conotação dada a ele deve ser recalculada.
Há muito desacostumei com o papel de escritora, até acostumei, embora não me considere digna da definição já direcionada a minha mão trêmula.
Me parece que é necessário, tanto quanto prazeroso, refazer essa relação natural e esse Moleskini tem caído como moletom em noite de frio no corpo para o meu pulso já quase atrofiado pelo desuso. Até gosto do digitado, das ferramentas facilitadoras de conteúdo: Google, sinônimo, relógio, rapidez pra acompanhar a chegada dos trocadilhos na construção do concretismo das consoantes e do cimento das vogais. Mas...
      ... É Simples! Há algo de poético na tinta deliberada e controladamente disposta nessas linhas finas, nessas folhas claras, esperando a estampa gráfica dessas palavras florindo geométricos círculos, por vezes cortados por retornos ou voltas menores ou elipses disléxicas, e tantos etcéteras quanto pode caber num texto livre e feito por puro gosto, sabor e satisfação de não seguir regra, não atender expectativa e nem estar obrigado a ser bom, e por isso ser.
Há liberdade.
A liberdade.
Essa que só te priva de prender os dedos ou de perder a vontade de suspirar aliviado. Respira-se a sensação de gargalhar sem motivo aparente. Vive-se o processo de trazer a tona o que os olhos transparentes não alcançam expressar.
Escrever a caneta traz de volta o sentido cru, o processo físico, biológico, original, de absorver no músculo a realização. Vem até o ombro a fadiga por esforço e essa resposta corporal vivaciona a delícia de fazer, ter feito, terminar o que se pretende.
Se existe final melhor que o de cumprir uma proposta de si para si, certamente não passa pelas linhas de um caderno.

Carola Bitencourt
12/01/2014

11 de fev. de 2014

Escrever. Meu melhor amigo
O ato
de escrever
Linhas não julgam
tamanho de folha
delimita sem tolir
Letra continua significando
sem estar milimetricamente
riscada.
O único risco
é quando se lê
porque a interpretação é só sua.
Escrever não tem tempo
não tem veto.
Escrever basta ter onde
pode ser caneta,
pode ser areia e galho
pode ser falho
pode ser mental.
Escrever é a liberdade
de não agradar o leitor
De não se privar do prazer
Não ofende, não defende virtude
Dá somente a continuação
da corrente sanguínea
em tinta impressa
da sua vontade realista realizada
Acompanha seu pensamento
na velocidade da sua caligrafia
Escrever,
mesmo que seja sobre o hábito
de escrever.
Como cinema que retrata o set
Só pode trazer completude
É como usar o calcanhar
pra virar o passo.
Dançar com as mãos e os dedos.

Carola Bitenncourt
08/02/2014

6 de jan. de 2014

Hoje o nada quer
Hoje nada atende.
Prendi o veio
no estribo do meio
e de lado algum
vem o centeio.
Colho agora
o que semeei fora
numa época de plantio seco.
Selo o brio breve
de quem sente mais do que deve.
Brado a casta plenitude
de breu em planície...

...Ao menos pra escrever me serve,
sorve meus músculos soltos
prescreve-me a receita
à base de provérbio,
verborragia e prece.
Procedo a percepção tardia
em conta gotas e bocejos.
Que venha outro deserto!
Já me tornei mais bromélia
que cacto.
Não embromo mais o fim certo
Prefiro fazer florescer o prumo
Que adormecer a relva a esmo.

Carola Bitencourt
03/01/2014